Preconceito e Saude Mental



Hoje vamos falar de preconceito, especificamente na área da saúde humana. O preconceito quanto a doença mental. 

Eu próprio, reluto em usar o termo "doença mental", pensei em usar algo mais palatável, como "doenças do cérebro". Optei pelo primeiro, para brigar com meu próprio preconceito, embora a segunda expressão, admito, seja mais adequada para expressar a nossa realidade.

Doente mental, acaba por ser um termo cunhado pelo preconceito, para rotular de forma genérica indivíduos considerados "anormais", os também chamados de loucos. E qualquer doença do cérebro que não possa ser enquadrada no conceito de loucura, é “frescura”.

Interessante é que se alguem sofre de uma doença que afete qualquer outra parte do corpo que não o cérebro, é assimilado normalmente pela sociedade, que solidariza-se imediatamente com esse individuo. Tome-se por exemplo, uma pessoa com um problema cardiológico. A solidariedade das pessoas se manifesta imediatamente, com cuidados, mas sobretudo com a aceitação do individuo como um elemento pleno, enquadrado na "normalidade da conduta social".

Mas, quando um individuo é diagnosticado como portador de uma doença do cérebro (enquadrada no rol das “frescuras”), a rejeição é imediatamente manifesta. Inicialmente pelo próprio individuo portador da doença. Este, imediatamente trata de esconder sua enfermidade, temendo a não aceitação, pois ele próprio começa a se considerar “desajustado”. Quando tenta buscar auxilio e expõe o seu quadro de enfermidade, sente imediatamente a rejeição como individuo, manifestada de formas diversas conforme o grupamento social ao qual se expõe.

Se o faz dentro da família, as reações vão da absoluta negação do diagnóstico, à descrença no próprio individuo. Reações como negar capacidade ao médico, ou manifestações como; “isso é coisa da sua cabeça”, ou “ele sempre criando dramas para chamar a atenção”, ou mesmo “você está assim porque quer”.  Interessante é notar que expressões como estas se fossem verdadeiras, em sí, já deveriam constituir um indicativo de um anormal funcionamento nos mecanismos cerebrais do individuo em questão!

Se resolve expor sua condição no ambiente laboral, então é imediatamente olhado com desconfiança na sua capacidade de realização do trabalho, embora o médico que o acompanha não tenha feito esse diagnóstico.

Com os amigos, as reações vão da negação pura e simples à piedade. Um coitado ou um velhaco que usa essa desculpa para justificar suas ausências

As reações então às manifestações da doença acabam por ser dolorosas e agravam ainda mais o quadro do individuo.

Na familia, é visto como intolerante e egoísta, quando não consegue participar de reuniões ou festas familiares, ou mesmo quando participa mas não consegue manter o animo e lhe vem a ansiedade em deixar aquele ambiente, a necessidade de se recolher, pois toda aquela alegria começa a lhe angustiar. Tudo isso é visto como falha de caráter e não a manifestação de uma doença para a qual necessita de apoio, pois que recusam teimosamente a reconhece-la.

Os amigos não aceitam seu comportamento distante e se afastam. No trabalho vive angustiado com medo de que descubram “seu problema”.

O ser humano sempre temeu o desconhecido, e talvez por aí consigamos entender as causas desse preconceito. Ainda há um enorme desconhecimento a respeito de nosso cérebro, diferentemente dos outros órgãos do corpo humano. Muito embora a neurociência tenha avançado bastante no conhecimento das funções do cérebro, este ainda traz muito mistério e estimula muitas fantasias, principalmente para os não cientistas. Penso nas palavras de Carl Seagan “O cérebro é um lugar grande num espaço muito pequeno”, e imagino um deus ou a TARDIS (a nave do Dr. Who), realmente algo que não conseguimos explicar e que tememos.

É muito difícil para alguém já com problemas organofuncionais no cérebro, ainda encontrar disposição para enfrentar esse preconceito e suas consequências. O apoio da psicoterapia pode ser o recurso, o único talvez no momento, em que nós portadores de doenças do cérebro, podemos nos valer nesse enfrentamento. Essa ciência, que ainda caminha a par das descobertas, é fundamental para nosso equilíbrio emocional, ao lado da medicação que não pode ser descuidada. A medicação nos ajuda a equilibrar a química no cérebro e a psicoterapia nos apoia no enfrentamento dos fantasmas criados pelo medo e pelo preconceito. 

Mas é sobretudo, no apoio, compreensão e afeto daqueles que lhe são mais caros, que a pessoa portadora de uma doença mental, vai encontrar força necessária para ter uma vida normal e conseguir ser feliz, como deveria ser o destino de todo ser vivente sobre esse nosso planeta.

Esperemos que um dia, com o avanço do conhecimento, alguém que necessite tomar antidepressivos, seja visto da mesma forma que aquele que necessita de insulina.

Regi Araujo

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