Carolina de Jesus

Não digam que fui rebotalho,
que vivi à margem da vida.
Digam que eu procurava trabalho,
mas fui sempre preterida.
Digam ao povo brasileiro
que meu sonho era ser escritora,
mas eu não tinha dinheiro
para pagar uma editora.”
(Carolina Maria de Jesus, em “Quarto de despejo”, 1960)



A tontura da fome é pior do que a do álcool. A tontura do álcool nos impele a cantar. Mas a da fome nos faz tremer. Percebi que é horrível ter só ar dentro do estômago.”

Carolina nasceu em Sacramento MG, 1914 – São Paulo SP.  
Sua escolaridade se resume aos dois anos de frequência ao ensino básico. 
Em 1924 muda-se com a família para uma fazenda em Lageado, Minas Gerais, onde trabalham como lavradores. Retorna a Sacramento, em 1927, e, por causa das dificuldades econômicas, migra para Franca, São Paulo, em 1930, passando o primeiro ano na fazenda Santa Cruz e, depois, na cidade, onde trabalha como ajudante na Santa Casa de Franca, auxiliar de cozinha e doméstica. Com a morte da mãe em 1937, vai para São Paulo em busca de melhores condições de vida. 

De 1948 a 1961, reside na favela Canindé, sobrevivendo como catadora de papel e ferro velho. Em 1958, o jornalista Audálio Dantas, numa reportagem sobre a inauguração de um playground no Canindé, conhece Carolina e se interessa pelos seus 35 cadernos de anotações em forma de diário, e publica um artigo na Folha da Noite. Em 1959, trabalhando na revista O Cruzeiro, o jornalista divulga trechos dos relatos escritos pela autora e, posteriormente, empenha-se na publicação que reúne esses relatos, Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada, lançado em 1960, com notável sucesso editorial. 

Carolina muda-se para uma casa que consegue comprar no bairro de Santana e mantém o diário com registros do que lhe acontece ali, depois editados em Casa de Alvenaria: Diário de uma Ex-favelada, em 1961. Em 1963, publica Pedaços da Fome, seu único romance, que tem pouca repercussão.

Em função dos contínuos desentendimentos com seus editores, bem como das dificuldades enfrentadas para manter-se em evidência e adaptar-se à vida no bairro de classe média, muda-se para um sítio no bairro de Parelheiros, São Paulo, em 1969, onde é praticamente esquecida pelo mercado editorial. Após sua morte, são editadas obras escritas entre 1963 a 1977, das quais a mais significativa é Diário de Bitita, com suas memórias de infância e juventude, inicialmente lançado na França.

“Carolina de Jesus: a precursora da literatura marginal (e não só isso)”,  Revista Pazes, 2016-02-14
                                                                                                    
Muitas fugiam ao me ver

Muitas fugiam ao me ver
Pensando que eu não percebia
Outras pediam pra ler
Os versos que eu escrevia

Era papel que eu catava
Para custear o meu viver
E no lixo eu encontrava livros para ler
Quantas coisas eu quiz fazer
Fui tolhida pelo preconceito
Se eu extinguir quero renascer
Num país que predomina o preto

Adeus! Adeus, eu vou morrer!
E deixo esses versos ao meu país
Se é que temos o direito de renascer
Quero um lugar, onde o preto é feliz.


Carolina Maria de Jesus, em Antologia pessoal. (Organização José Carlos Sebe Bom Meihy). Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996

Comentários

Postagens mais visitadas